O
PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
Por
Portal PT
Quarta-feira,
14 de novembro de 2012
O
PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e
torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal
Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou
penas desproporcionais a alguns de seus filiados.
1.
O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O
STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a
possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça.
Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um
direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.
A
Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o
vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os
próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem
ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E,
também, nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três
Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da
União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.
Foi
por esta razão que o ex-ministro Márcio
Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento
do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido
em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas
Gerais.
Ou
seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas
desigualmente.
Vale
lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou
pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro
privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas
posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por
isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista
legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os
meios jurídicos para se defenderem.
2.
O STF deu valor de prova a indícios
Parte
do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no
processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à
luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso
paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as
palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de
provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções,
ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios
em provas.
À
falta de elementos objetivos na denúncia, deduções,
ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato
grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar
pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam
simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o
livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são
que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.
Cabe
à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus
processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de
quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a
obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua
defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu,
portanto, o ônus da prova.
3.
O domínio funcional do fato não dispensa provas
O
STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em
1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada
por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não
apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a
sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é,
a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a
condenação.
Ao
lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros
inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de
influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem
que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que,
tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se
consumassem.
Expressão-síntese
da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou
não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha
como não saber”...
Ao
admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do
fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente
perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que
teria feito.
Trata-se
de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a
conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente,
atingir o partido a que estão vinculadas.
4.
O risco da insegurança jurídica
As
decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o
rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção
de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro
independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra
de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança
jurídica no País.
Pairam
dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou,
ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão
a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante,
juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer
espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas
indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos
ou inimigos políticos de caciques partidários locais.
Quanto
à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo
emendas constitucionais, como as das reformas tributária e
previdenciária, já estão em andamento ações diretas de
inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com
o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.
Ao
instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que
foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade,
que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim,
o próprio Estado Democrático de Direito.
5.
O STF fez um julgamento político
Sob
intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem um
papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa
elite ao PT - ministros do STF confirmaram condenações anunciadas,
anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por
fim, imiscuíram-se
em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a
independência entre os poderes.
Único
dos poderes da República cujos integrantes independem do voto
popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o
Supremo Tribunal Federal - assim como os demais poderes e todos os
tribunais daqui e do exterior - faz política. E o fez, claramente,
ao julgar a Ação Penal 470.
Fez
política ao definir o calendário convenientemente coincidente com
as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e
ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de
provas.
Contrariamente
a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF,
ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação
e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não
assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus
julgamentos.
No
STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem
representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos
ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio
de dinheiro público e compra de votos).
Embora
realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual
vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias
constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de
provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim
orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados:
condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos
autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos”
para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas
de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas.
Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E
inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos
objetivos da condenação.
Alguns
ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador
Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública,
muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos
preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a
imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo
politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade
ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no
resultado das eleições.
A
luta pela Justiça continua
O
PT envidará todos os esforços para que a partidarização do
Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja
contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados
do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente - que o
PT luta para transformar através do projeto de reforma política em
tramitação no Congresso Nacional - não justificam que o poder
político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam
do povo.
Na
trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil,
muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos
convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No
partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e
a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma,
gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas
profundas transformações que têm promovido, principalmente nas
condições de vida dos mais pobres.
A
despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram
o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a
miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se
novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6a.economia do
mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a
ninguém.
Tanto
quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua
convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional,
nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos,
também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização
de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.
Ao
mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional,
acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É
com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa
intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros
injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais
este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do
sistema político - o que inclui o financiamento público das
campanhas eleitorais - e pela maior democratização do Estado, o que
envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as
perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais
não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos
nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas
bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado
às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as
transformações em favor da igualdade e da liberdade.
São
Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão
Executiva Nacional do PT.
Fonte: http://www.pt-sp.org.br/noticia/p/?id=20157
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